segunda-feira, 27 de outubro de 2014

SAÚDE: MAS AFINAL, O QUE É O LÚPUS?

Imagem Ilustrativa

Com a morte da Jovem Thays Purcena, 20 anos, moradora em Uberlândia, porém, velada neste domingo e segunda-feira, na Cidade de Caçu, no Sudoeste Goiano, resolvemos pesquisar o que na verdade é a doença Lúpus e como a mesma se manifesta e como é diagnosticada.

De acordo com o Dr. Samuel Kopersztych, médico Reumatologista e trabalha no Hospital das Clínicas da USP e no Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, Lúpus é uma doença autoimune rara, mais freqüente nas mulheres do que nos homens, provocada por um desequilíbrio do sistema imunológico, exatamente aquele que deveria defender o organismo das agressões externas causadas por vírus, bactérias ou outros agentes patológicos.

O fato é que, no Lúpus, a defesa imunológica se vira contra os tecidos do próprio organismo como pele, articulações, fígado, coração, pulmão, rins e cérebro. Essas múltiplas formas de manifestação clínica, às vezes, podem confundir e retardar o diagnóstico.

Lúpus exige tratamento cuidadoso por médicos especialistas. Pessoas tratadas adequadamente têm condições de levar vida normal. As que não se tratam, acabam tendo complicações sérias, às vezes, incompatíveis com a vida.

A doença autoimune é fundamentalmente caracterizada pela formação de auto-anticorpos que agem contra os próprios tecidos do organismo. Por isso, o nome auto-agressão, às vezes, é mais feliz. O paciente, geralmente do sexo feminino, fabrica substâncias nocivas para seu organismo e o anticorpo, que é um mecanismo de defesa, passa a ser um mecanismo de auto-agressão. Portanto, o que caracteriza a doença autoimune é a formação de anticorpos contra seus próprios constituintes.

Eles podem agredir qualquer tipo de território. De modo geral, a maior agressão ocorre no núcleo da célula, graças ao aparecimento de vários auto-anticorpos contra substâncias presentes em seu interior.

Entretanto, o mais importante não é o anticorpo isoladamente. Do ponto de vista anatomopatológico, o que define a auto-imunidade nos tecidos é a formação dos chamados complexos imunes.

COMPLEXOS IMUNES
A paciente que tenha a etnia lúpica, ou seja, formação genética constitucional que a predispõe a desenvolver lúpus, já possui auto-anticorpos em grande quantidade. Quando uma substância vinda do exterior une-se a eles, forma-se o complexo antígeno-anticorpo. Isso ativa um sistema complexo de proteínas chamado de complemento e leva à formação dos complexos imunes, cuja concentração dita a gravidade e o prognóstico da doença, porque eles se depositam no cérebro e nos rins principalmente.
O complexo imune depositado no rim inflama esse órgão, produzindo a nefrite lúpica, importante para determinar se a doente vai viver muitos anos ou ter a sobrevida encurtada.

A radiação solar, em especial os raios ultravioleta prevalentes das dez às quinze horas, é a substância que mais agride as pessoas que nasceram geneticamente predispostas. Em estudos conduzidos no Hospital das Clínicas de São Paulo, foi possível detectar inúmeros casos de pacientes que tinham o primeiro surto logo após ter ido à praia e se exposto horas seguidas à radiação solar. Em geral, eram pacientes do sexo feminino, já que a incidência de lúpus atinge nove mulheres para cada homem. Nos Estados Unidos, há maior prevalência entre as mulheres negras; no Brasil, verifica-se equivalência de casos em brancas e negras.

CORRELAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE IMUNIDADE E ENDÓCRINO
É fundamental estabelecer uma correlação entre o sistema de imunidade, de defesa do organismo, com o sistema endócrino. O estrógeno (hormônio feminino) é autoformador de anticorpos; a testosterona (hormônio masculino) é baixo produtor. O estrógeno é sinérgico à produção de auto-anticorpos e a testosterona, supressora. Na mulher lúpica, ocorre excesso de sinergismo, ou seja, excesso na produção de anticorpos, que se traduz pela taxa elevada da proteína gamaglobulina nos exames de laboratório.

Infelizmente o que acontece com os animais de experimentação, cujos sintomas melhoram com a administração de hormônios masculinos, não se repete nas mulheres. Mulheres lúpicas que tomam hormônio masculino masculinizam-se nesse período, sem manifestar nenhum efeito terapêutico protetor importante.

CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO
Havia grande confusão diagnóstica em relação ao lúpus até a Sociedade Americana de Reumatologia enunciar onze critérios de diagnóstico, em 1971. A mulher que preencher quatro deles seguramente tem a doença.

Os dois primeiros referem-se à mucosa bucal. Entre outras lesões orais importantes, aparecem úlceras na boca que, na fase inicial, exigem diagnóstico diferencial com pênfigo, uma doença freqüente em países tropicais. Pode ocorrer também mucosite, uma lesão inflamatória causada por fatores como a estomatite aftosa de repetição, por exemplo.

O terceiro critério envolve a chamada buttefly rash, ou asa de borboleta, que muitos admitem como o critério mais importante, mas não é. Trata-se de uma lesão que surge nas regiões laterais do nariz e prolonga-se horizontalmente pela região malar no formato da asa de uma borboleta. De cor avermelhada, é um eritema que geralmente apresenta um aspecto clínico descamativo, isto é, se a lesão for raspada, descama profusamente.

O quarto critério é a fotossensibilidade. Por isso, o médico deve sempre investigar se a paciente já apresentou problemas quando se expôs à luz do sol e provavelmente ficará sabendo que mínimas exposições provocaram queimaduras muito intensas na pele, especialmente na pele do rosto, do dorso e de outras partes do corpo mais expostas ao sol nas praias e piscinas.

O quinto critério é a dor articular, ou seja, a dor nas juntas, geralmente de caráter não inflamatório. É uma dor articular assimétrica e itinerante, que se manifesta preferentemente nos membros superiores e inferiores de um só lado do corpo e migra de uma articulação para outra. Geralmente, é uma dor sem calor nem rubor (vermelhidão) nem edema (inchaço), os três sinais da inflamação. Há casos, porém, em que esses três sintomas se fazem presentes, assim como podem ocorrer artrite e excepcionalmente inflamação no primeiro surto de 90% das pacientes.

Preferentemente, as articulações dos membros superiores. A doença acomete punho, cotovelo, ombro e dedos das mãos, como se fosse um quadro de artrite reumatóide. Portanto, a artralgia (dor nas articulações) é um sintoma do lúpus que leva essas pacientes a procurar o reumatologista. Se não apresentarem dor articular, o diagnóstico clínico fica em suspenso.

Não há rigidez matutina como na artrite reumatoide. É uma dor migratória não muito intensa. Isso, muitas vezes, retarda o diagnóstico, porque a paciente entra em remissão e não procura o médico.

O sexto critério, e um dos mais importantes, é a lesão renal. Paciente com lesão renal acompanhada de hipertensão no primeiro surto tem prognóstico mais reservado. A hipertensão arterial denota que surgiu um processo inflamatório nas membranas das estruturas envolvidas no sistema de filtração do sangue que atravessa os rins e a paciente é acometida por glomerulonefrite.

Isso quer dizer que o rim começa a filtrar mal e deixa passar pelo poro renal substâncias que deveria reter. Se esse distúrbio não for tratado convenientemente, a paciente evolui para insuficiência renal rapidamente progressiva. Na verdade, é o rim que dita o prognóstico em 90% dos casos, que será pior ainda se for acompanhado do sétimo critério: a lesão cerebral. Seu primeiro sinal é uma convulsão, um ataque epilético comum que pode ser confundido como característico de doença exclusivamente convulsiva e relegar o diagnóstico e tratamento do lúpus para segundo plano.

A lesão cerebral mais freqüente revelada pelo exame anatomopatológico é a tromboembolia, ou seja, a deposição de coágulos no cérebro sob a forma de trombos locais ou de um êmbolo originário de outra região do corpo que entope o vaso cerebral. Como conseqüência, o tecido que depende dessa irrigação entra em anóxia e morre por falta de oxigênio. Além disso, quadros neurológicos graves, como hemiplegia (paralisia de um lado do corpo), plegia (paralisia parcial de uma parte do corpo) e quadriplegia (paralisia dos membros superiores e inferiores) parece estarem ocorrendo com maior freqüência nos dias de hoje em virtude do aumento da sobrevida das pacientes.

O comprometimento cerebral, em geral, não acontece no início da doença. No entanto, se estiver ligado à lesão renal, as dificuldades terapêuticas se agravam bastante.

No território do sangue, o lúpus estabelece as chamadas penias. Em 20% dos casos, a anemia hemolítica coincide com a ruptura dos vasos sanguíneos e a fragilidade dos glóbulos vermelhos, levando à anemia hemolítica autoimune, uma manifestação da síndrome pré-lúpica. A paciente pode ir ao consultório do hematologista com esse problema e logo em seguida ou alguns anos depois manifestar o quadro clínico completo do lúpus eritematoso.

Outra manifestação de penia mais incidente é a leucopenia, ou seja, a diminuição de glóbulos brancos, dos leucócitos. Em 40% dos casos, a leucopenia é traduzida pela produção de anticorpos principalmente dirigidos contra os neutrófilos, um tipo específico de glóbulos brancos que hoje faz parte do diagnóstico laboratorial do lúpus.

Outra possibilidade é a ocorrência da plaquetopenia, ou púrpura trombocitopênica idiopática, uma lesão provocada por anticorpos contra as plaquetas que não tem etiologia definida e que pode preceder, em alguns anos, a instalação do lúpus.

Essas penias são importantes e, muitas vezes, levam a paciente lúpica à esplenectomia, ou seja, à retirada do baço, porque os clínicos já sabiam de longa data que sem ele melhora a produção de glóbulos vermelhos. O baço funcionaria como uma esponja que reteria os anticorpos contra substâncias do sangue, e isso acentuaria a diminuição dos glóbulos vermelhos, brancos e das plaquetas. Retirando-se o baço, esses elementos seriam redistribuídos na circulação.

Acontece que pacientes lúpicas infectam-se com muita facilidade. A experiência nas enfermarias mostra que a retirada do baço em pacientes que sofreram acidentes de automóvel ou em crianças com traumatismos abdominais coincide com grande número de infecções, principalmente por salmonelas, bactéria que antigamente causava o tifo. Por isso, a retirada do baço numa paciente lúpica deve ser bem analisada.

GRAVIDEZ NAS PACIENTES LÚPICAS E OUTROS CRITÉRIOS
É o critério imunológico. Pacientes lúpicas apresentam uma reação falsamente positiva para sífilis e manifestam a síndrome anticoagulante lúpica que se caracteriza por trombose, embolias e abortos de repetição.

Há um conceito difundido inclusive entre alguns médicos de que pacientes lúpicas não devem, não podem e não engravidam em virtude de um problema imunológico. O argumento é que algumas dessas mulheres produzem anticorpos contra um constituinte especial chamado fosfolípedes, ou seja, substâncias com o radical fósforo do tipo gorduroso situadas na circulação. Esses anticorpos são responsáveis pela incidência de abortos recorrentes, aliás, outro sinal de pré-lúpus.

Além de abortos de repetição, essas mulheres formam coágulos em várias partes do corpo. Formam trombos no cérebro e formam êmbolos. Paciente lúpica que não tenha esse componente talvez possa ter uma gravidez normal. No entanto, nas portadoras de lesão renal, aumenta muito a possibilidade de abortos ou de dar origem a um feto com pouca chance de sobrevivência. Na verdade, algumas não têm dificuldade para engravidar, mas a gravidez pode ser tempestuosa e difícil e exige segmento pré-natal feito por especialista.

A incidência de pericardites (inflamação do pericárdio, membrana que envolve externamente o coração) e de pleurites (inflamação da pleura, membrana que recobre o pulmão) também podem ocorrer em pacientes com lúpus. Em 70% dos casos, a pericardite é subclínica e diagnosticada apenas nas autópsias. Esse é o décimo critério; o décimo- primeiro é o fator antinúcleo.

EXAMES LABORATORIAIS
O teste básico de laboratório é a pesquisa do fator antilúpus. O patologista vai avaliar o caso através de métodos de união antígeno-anticorpo com corante fluorescente. No exame de sangue comum, por meio dessa técnica, ele observa como cora o núcleo das células das pacientes lúpicas. Às vezes, cora difusamente; às vezes, em pontilhados pequenos e, às vezes, numa reação em anel. A resposta difusa indica lúpus benigno com lesão de pele e de articulações, mas sem comprometimento dos rins e do cérebro. Já, o achado em anel correlaciona-se com lesão renal e forte complexo autoimune circulante. Portanto, esse simples exame de sangue não invasivo dá ao clínico uma idéia do diagnóstico e do prognóstico. Se o fator antilúpus aparecer em alta concentração numa jovem, com quase toda a certeza, num futuro próximo, ela irá encaixar-se em todos os critérios de diagnóstico do lúpus.

EVOLUÇÃO DA DOENÇA
Quanto mais jovem for a mulher, pior será o diagnóstico. Lúpus dificilmente aparece em meninas que ainda não menstruaram. Em geral, o acometimento coincide com a época da menstruação e atinge mulheres na faixa entre 15 e 30 anos. Se não há lesão renal e cerebral no primeiro surto, trata-se de uma forma benigna de lúpus caracterizada por lesões de pele, asa de borboleta, dor nas juntas, sintomas facilmente controláveis com medicação. É também provável que a paciente não apresente os problemas correlacionados com o passar da idade e morra de outra causa que não o lúpus.

Se no primeiro surto, porém, ela manifestar lesão renal ou cerebral ou, o pior de tudo, as duas ao mesmo tempo, é sinal de mau prognóstico. Além disso, pesam fatores puramente imunológicos, por exemplo, a queda de algumas proteínas do sangue como complemento e o aparecimento de infecções. A evolução das pacientes no Hospital das Clínicas indica que o aparecimento de infecções é fator decisivo na evolução e prognóstico da doença.

Nos Estados Unidos, estatísticas mostram que a mulher negra tem evolução pior do que a branca. O que vimos no Hospital das Clínicas, entretanto, é que aqui há uma equivalência da doença entre mulheres brancas e negras.

TRATAMENTO
Temos recursos melhores, inclusive em relação à própria cortisona. Os corticóides modernos não são dotados de efeitos colaterais como aumento de pressão e grande retenção de sal e água. Outros podem ser injetados por via endovenosa. É o chamado pulso terapêutico que consiste em hospitalizar a paciente e infundir de uma só vez, numa única aplicação, grande quantidade de corticóide.

Com segmento ambulatorial bem feito, tem condições de levar vida normal. Lúpus é uma doença grave, especialmente se houver lesão renal e lesão cerebral, mas hoje podemos contar com um contingente terapêutico importante e com antibióticos mais modernos que protegem contra infecções e garantem sobrevida maior para essas pacientes.

ORIENTAÇÕES ÀS PACIENTES
Ela deve proteger-se da radiação solar e usar fotoprotetor mesmo na cidade, porque não é só na praia e na piscina que o sol é intenso. Deve procurar engravidar com parcimônia e sob grande supervisão. Deve tomar cuidado com a administração de pílulas anticoncepcionais, pois o aumento nos níveis de estrógeno pode desencadear novo surto da doença.

É importante, também, tomar cuidado para não contrair infecções. Evitar grandes conglomerados ou agrupamentos de pessoas e o contato com portadores de doenças infecciosas, que possam ser transmitidas.

Além disso, é preciso estar sempre atento ao psiquismo da paciente lúpica, que se altera muito com a doença. Às vezes, a primeira manifestação é um surto psicótico ou de ansiedade. Por isso, o equilíbrio emocional é meta importante na vida dessas mulheres.




 Fonte: Portal Drauzio Varella